LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO
“João Carlos Pacheco é o cronista de hoje. Só não é um cronista de todos os dias porque nenhum jornal de Porto Alegre ainda não se deu conta que ele esta aí dando sopa.
“Os três moram com o pai, o Professor Freud. Um se chama Id, o outro Ego e o terceiro Superego. O impulsivo, brigão, irracional e baixinho é o Id. O delicado, neurótico, reprimido é o Ego. O grandalhão, truculento e repressivo é o Superego. Apesar de irmãos, eles não combinam em nada. O Superego estuda Direito, o Ego, Filosofia e o Id faz o Supletivo. O Superego é policial, o Ego é professor de Moral e Cívica e o Id trabalha numa fábrica. Talvez por isto eles nunca estejam numa boa. Estão sempre em conflito. O Id odeia o pai, quer matar os irmãos e não consegue entender suas atividades repressivas. O Superego domina o Ego e tenta conter os impulsos homicidas do id. O Ego, espremido no meio, faz o que pode para manter um frágil equilíbrio entre eles. O pai não se mete. Só observa.
Outro dia era domingo. O Superego estudava, o Ego lia, o pai dormia e o Id se entregava a seu passatempo predileto: paquerar vizinhas de binóculo. Aliás, naquele dia o Id havia descoberto uma nova e linda vizinha no edifício do lado e seu entusiasmo era tanto que ele não parava de gritar frases para ela:
- Mulherão! Se o pessoal da ONU te enxerga, te declara Patrimônio da Humanidade, ó monumento! Se Deus fez outra igual, guardou só para Ele, ó perfeição!
O Superego, irritadíssimo, repetia pela décima vez que ele parasse com aquilo, senão a cana pintava. O Id respondia que a polícia já estava ali, ao vivo, e que não era de nada. Que a mulher era boa demais e estava se pelando e que ele também ia se pelar pra ela ver. E não parava de repetir:
- Vou tirar as calças!
A zorra foi tanta que num dado momento o Superego explodiu e tentou exercer sua autoridade jogando um “Código Civil” na cara do Id. O tempo fechou. O ego comprou a briga e partiu pra cima do Superego com o “Psicopatologia da Vida Cotidiana”. Este revidou com um “Tratado de Direito da Família”. O Ego se defendeu com “Medo à Liberdade” de Fromm. O Superego contra-atacou com “Código Penal”. O Id ia passando a mão num “Eros e Civilização” de Marcuse quando o pai chegou e apartou os três. Foi então que aconteceu o inesperado. O pai apanhou o binóculo, focalizou a mulher e ficou branco: “Meu Deus... Não pode ser. É ela!” “Ela quem?” perguntaram todos, ao mesmo tempo. “A Libido, meus filhos. Outra filha minha... irmã de vocês...” disse o professor, desolado. E caiu no divã. Naquele momento, pela primeira vez, todos sentiram, ao mesmo tempo, um estranho desejo de matar o pai.´
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